TELETERAPIA DE ALTA ENERGIA

RISCOS PARA PACIENTES E OPERADORES



AUTORES: Fausto Mafra Neto1- Érico Luiz Martins Reis2 

1 MSc. pelo Dep. de Eng. Nuclear da EEUFMG - 2 Dr. pelo Dep. de Física da UFMG
 Belo Horizonte, MG - Brasil - 2019

   Abril de 2019  


Breve histórico da teleterapia de alta energia


Um grande número de instalações radioativas, de alta energia, estão em funcionamento em todo o mundo e, no Brasil não é diferente. Há um particular interesse naquelas destinadas ao tratamento médico das neoplasias malígnas ou mesmo de algumas doenças benígnas a critério médico.

 No início do século XX, técnicas de terapia intracavitária e de contacto, com tubos e agulhas de Ra-226, denominadas braquiterapia, foram amplamente desenvolvidas, mesmo sem um conhecimento claro dos efeitos biológicos produzidos, ou da dose entregue ao tecido biológico exposto. 

Por volta de 1928, deu-se início à teleterapia de alta energia com os equipamentos denominados aparelhos de teleradium, ou bomba de radium para terapia com a fonte distante do paciente. Talvez a mais primitiva bomba de radium, possivelmente, a bomba de Paris está ilustrada na figura 1.

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A era daqueles aparatos de teleradium terminou com o advento das unidades de teleterapia com o elemento Co-60, as populares bombas de cobalto, concebidas no Canadá pelo físico Harold Elford Johns e seus alunos, estudantes de graduação do curso de Física, As fontes de Co-60 são produzidas artificialmente em reator nuclear, e são até hoje tomadas como fonte padrão para calibração de feixes de alta energia. Em outubro de 1951, a bomba de cobalto, foi utilizada pela primeira vez, em Toronto, para tratamento de um paciente. (figura 2).

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Acidentes graves marcaram negativamente esses equipamentos. Nos anos de 1970, no México, uma bomba de cobalto, descartada, foi violada e transportada para os Estados Unidos. O elemento radioativo, constituído de pelets metálicos, caiu por  onde passou e o restante foi fundido junto com ferro velho para construção civil (publicado pela revista VEJA da época). Igualmente no Brasil, uma bomba de césio, descartada em Goiania em 1987, foi violada e o material radioativo, na forma de pó compacto, foi ingerido, esfregado pelo corpo, e transferido a outros ambientes e outras pessoas.

Como se não bastasse acontecem, em 1986, o acidente no reator nuclear   de Chernobyl, e mais recentemente em 2011, o acidente em Fukushima no Japão, em decorrência de terremoto de grande magnitude, além, certamente, de muitos outros acidentes desconhecidos. Todos esses fatos aumentaram a rejeição pelos  radioisótopos  tão importantes para a medicina e transformados em elementos assombrados.

Em substituição às máquinas que utilizam isótopos radioativos, surgiram os aceleradores de partículas, circulares como os betatrons e cíclotrons, ou finalmente, os LINACS, aceleradores lineares. Grandes indústrias eletrônicas como, CGR, Siemens, Varian, Philips e Elekta, aprimoraram esses equipamentos com um elevado índice de robotização.

Os aceleradores são máquinas capazes de oferecer radiações particulares e ondulatórias produzidas eletrônicamente, com altas taxas de dose. Mas, diferentemente dos isótopos, só produzem o feixe, deliberadamente, no momento de uma exposição. Em razão disso, os riscos radiológicos de quem trabalha , e mesmo do paciente diminuiram. (fig. 4 e 5)

 Entretanto, novas fontes de risco foram incorporadas.

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Riscos atuais

A aplicação de raios X pelo sistema eletrônico de acelerador linear submete operadores e pacientes a outros riscos, além da radiação, como alta tensão, calor, microondas, ondas de radio, gases tóxicos,  luz amplificada, colisão e queda.

Os profissionais que atuam na operação de aceleradores de uso médico devem ser, mais do que habilitados, treinados, qualificados e autorizados  para esse fim. Além do trato com o paciente, devem ter conhecimento específico do equipamento, principalmente dos dispositivos de segurança, os botões de BEAM OFF e EMERGENCY OFF, e dos simbolos indicativos de perigo. (fig. 6)

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Alta tensão

Fontes de alta tensão estão presentes no stand e no gantry.  São tensões como 300 V, 12 kV, 40 kV ou 100 kV que, mesmo depois de desligadas, constituem ameaça, pois diversos componentes como modulador, condensadores, ou câmara de ions  podem permanecer carregados e causar um dano letal.

É frequente a ocorrência de arcos voltaicos entre dois condutores de alta tensão, ou nos terminais de um dispositivo como a magnetron, no circulador, no canhão eletrônico, nos capacitores ou mesmo dentro do guia de onda, quando o gás utilizado para isolamento não cumpre o seu papel.

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Fontes de calor

O risco de acidentes com fontes de calor pode ter origem nas válvulas thyratron e lâmpadas de quartzo, denominadas fontes secas, ou nas mangueiras condutoras de líquido de refrigeração para controle de temperatura dos diversos componentes situados no stand ou no gantry.

O circuito de refrigeração tem início no depósito de agua fria, a fonte fria, mantida a cerca de 38oC pela circulação de água proveniente de uma caixa de grande volume ou um shiler de menor volume, mas de baixa temperatura. A água, ao circular do stand para o  gantry, retira calor da magnetron, da cavidade ressonante do AFC, do water load elemento absorvedor da onda refletida, do canhão de elétrons e do alvo gerador de raios X.

A água aquecida é conduzida ao trocador de calor, situado no stand, onde é refrigerada pela água externa e finalmente depositada na fonte fria a 38oC.(fig.8)

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Microondas e radiofrequência

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As microondas e radiofrequência são radiações eletromagnéticas, não ionizantes (fig.9). As microondas são produzidas pela magnetron e lançadas no interior do tubo acelerador, através de um guia de ondas retangular, com frequência da ordem de 3000MHz. As ondas de radiofrequência, indesejáveis, são encontradas tanto no interior do guia de ondas, junto das microondas, ou do lado de fora onde são produzidas por outros dispositivos com cargas elétricas oscilantes. São indesejáveis porque podem causar sérios danos ao operador da máquina e ao paciente. O resultado da transferência de energia a órgãos como cristalino e testículo. O aumento da temperatura acima da corporal, nos testículos, pode responder pelo processo de esterilização, enquanto no cristalino, pela formação da catarata, com a perda da visão.

Dispositivos eletrônicos como, marcapassos, bloqueadores eletrônicos etc, podem sofrer interferência com modificação dos resultados esperados, dependendo do dispositivo  e da frequência aplicada.

Os fabricantes de aceleradores recomendam nunca ligar o equipamento com o guia de ondas aberto. Qualquer suspeita de fuga de microondas deve ser imediatamente comunicada ao físico e ao médico responsavel pelo paciente.


Fogo no sistema elétrico

Os arcos voltaicos e as altas temperaturas podem provocar incêndios no sistema elétrico.

Os arcos, como são conhecidos, podem ser produzidos na rede integrada pelo guia de ondas, desde o interior da magnetron até à cabeça do canhão eletrônico, passando pelo circulador. Dentro do guia de ondas, os arcos são responsáveis pela produção de gases tóxicos e de resíduos sólidos que, pregados às paredes, impedem a propagação da onda viajante, ou à formação da onda estacionária.

Os arcos podem ocorrer fora do guia de ondas, entre dois condutores da alta tensão, alimentados com uma diferença de potencial de 40kV ou mais, ou entre um condutor e a carcaça da máquina.  Durante o movimento de rotação do gantry, os cabos de alta tensão tendem a movimentar-se, por ação da gravidade ou da inércia, resultando em aproximação de outro condutor, de outro componente, ou da parede metálica.


Colisão mecânica

Por razões clínicas e para configuração dos volumes tumorais, diversos componentes de um acelerador de partículas de uso médico necessitam se movimentar.

Colimadores primários, que são grandes blocos, geralmente feitos de urânio depletado, em número de quatro, movem-se em direções perpendiculares para formar campos quadrados ou retamgulares. São guiados por trilhos e esferas de aço. Abaixo, encontram-se os colimadores de lâminas para conformar campos irregulares. Um grande número de lâminas de tungstênio, conhecidas como MLC, 80 ou 150, cada uma com seu sistema motriz. Em seguida ao MLC, um suporte, móvel ou não, para incorporação de peças de chumbo, ou alguma liga pesada, para outras configurações de campo de tratamento.

Todos os componentes móveis citados no parágrafo anterior encontram-se presos à cabeça que pode girar em torno de um eixo perpendicular em ambos os sentidos, +90  ou -90 graus, até um limitador de curso. Uma falha nesses limitadores pode causar diversos danos.

A cabeça é presa a um braço, o gantry, que se move em um plano vertical em torno de um eixo horizontal.

O eixo de rotação do gantry e o eixo de rotação da cabeça se crusam em um ponto denominado isocentro, em torno do qual se move a mesa, no plano horizontal.

São comuns as colisões entre a mesa e o gantry, apesar dos dispositivos de segurança.

Além do movimento de rotação de +90 ou -90 graus, a mesa tem mais três movimentos. Vertical, sobe e desce ou up - down, e dois movimentos de translação na horizontal, um deles transversal, +x e -x, ou left e rigth, e o outro longitudinal, in  e  out.

Este sistema complexo, de movimentos coordenados, pode falhar por ação humana, por desgaste no sistema mecânico, por dano em dispositivo eletrônico ou por corrupção de softwer.


Inquietação do paciente

Pacientes idosos e crianças, frequentemente, necessitam de sedação para o tratamento com radiações. O movimento durante a aplicação causa erro no volume tratado, com doses indesejadas nos órgãos de risco, podendo resultar no insucesso do tratamento.

Além dos riscos citados, a inquietação pode causar a queda do paciente idoso ou criança, com consequências imprevisíveis.


Irradiação por Raios X

Um feixe de radiação ionizante não pode ser percebido pelos sentidos da visão, audição, olfato, gustação ou pelo tato. Apenas são percebidos os seus efeitos como a ionização dos gases, a termoluminescência de alguns cristais, a lyoluminescence  de sacaroses, a oxidação de íons Fe2+ para Fe3+, ou mesmo a formação de eritema cutâneo por ação da dose. Tudo isso depois de concluida a exposição à radiação.

É possível uma pessoa receber altas doses de radiação ionizante sem tomar conhecimento.

As máquinas de teleterapia com raios X, atualmente em uso, têm diversos recursos de segurança para garantir que um paciente receba a dose prescrita. Uma câmara de ionização conectada a um integrador, um cronômetro digital, contadores digitais mecânicos, são instrumentos de segurança que interrompem o feixe e limitam a dose. A interrupção pode também ser reallizada por software, além de recursos manuais como interruptores beam off,  ou os emergency off situados dentro e fora da sala de tratamento.


Conclusão

Diversos acidentes podem ser evitados consideravelmente se o profissional é bem formado, bem horientado, e de reflexos condicionados. Outros, que acontecem, por exemplo, com a água quente, não dependem da ação do operador. Uma mangueira que vaza, por ação da pressão interna, pode não ser previsível. É uma questão de manutenção preventiva.

O feixe de raios X pode ser disparado, inadvertidamente, com um operador ou outra pessoa, além do paciente dentro da sala de tratamento. Isso reforça a orientação no sentido de que somente pessoas suficientemente treinadas, habilitadas e autorizadas pelos respectivos supervisores de física médica, podem operar uma dessas máquinas.

Nunca é demais lembrar:

UM FEIXE DE RAIOS X PODE SER LETAL

Outros riscos, como aqueles de contaminação biológica, tais como tuberculose, hepatite, HIV positivo, ou contaminação parasitária, existem e devem ser levados em consideração pelo médico supervisor clínico e responsavel técnico.


Bibliografia

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