CONTROLE DE QUALIDADE E OUTRAS QUESTÕES RELEVANTES

SOBRE DOSÍMETROS CLÍNICOS E SEU USO

Lucas Soares Almeida (a), Jony Marques Geraldo (a,b,c,d)

a   Departamento de Anatomia e Imagem, Faculdade de Medicina,Universidade Federal
de Minas Gerais,Belo Horizonte, MG, Brasil.
b   Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear – CDTN/CNEN, Belo Horizonte,
MG, Brasil

c   Serviço de Radioterapia Hospital Luxemburgo IMP, Belo Horizonte MG, Brasil

d   Serviço de Radioterapia Hospital Alberto Cavalcanti,  Belo Horizonte, MG, Brasil

Outubro de 2020


Resumo


Com o crescente número de casos de câncer no Brasil e o avanço tecnológico das máquinas de tratamento, e ainda como são cada vez mais rigorosas as exigências sobre processos, registros e controles de qualidade, é fundamental buscar o aprimoramento dos serviços de radioterapia em todas as etapas do tratamento. Dentre essas exigências, a mais importante para a adequação da dose prescrita pelo médico é o controle de qualidade dos dosímetros clínicos.

O presente estudo tem o objetivo de trazer à tona questões práticas sobre o fator de calibração-padrão e o comportamento de dosímetros clínicos, a saber: (1) se há diferença no comportamento de um dosímetro clínico quando ligado na rede elétrica em comparação com seu uso ligado na bateria interna; (2) o que acontece com o fator de calibração-padrão se a câmara de ionização for trocada e se a mesma câmara for utilizada em eletrômetros diferentes; (3) qual o melhor intervalo de tempo para leitura da corrente de fuga de um conjunto dosimétrico.

Devido à grande quantidade de dados experimentais levantados, foi necessária a criação de uma planilha em Excel para facilitar cálculos e registros dos resultados obtidos.

Introdução

Considerações gerais sobre controle de qualidade e dosímetros clínicos 


A modernização dos serviços de radioterapia vem promovendo diversas mudanças no planejamento, no controle de qualidade (CQ) dos equipamentos e nos tratamentos realizados. Há disponível uma quantidade cada vez maior de informações, resultado, principalmente do aumento da complexidade dos tratamentos, do crescente número de casos e da maior exigência e controle dos processos clínicos e assistenciais a que os pacientes são submetidos direta e indiretamente. (Perez C. A. e Mutic S., 2013)

O paciente submetido à radioterapia pode ser tratado nas modalidades teleterapia (fonte de radiação distante do paciente) e/ou braquiterapia (fonte de radiação em contato com o paciente). Os modernos tratamentos de teleterapia são realizados com a ajuda de aceleradores lineares que emitem radiação a partir da aceleração de eletrons que, ao interagirem com um alvo de tungstênio, geram um feixe clínico de raios X de alta energia geralmente entre 6 e 15MeV. (Baskar et al. 2012)

Para que a dose prescrita pelo médico seja entregue com precisão, o acelerador linear deve passar por um processo chamado de dosimetria física ou calibração, que é um procedimento tão importante para a qualidade do tratamento que teve sua frequência aumentada de mensal para diária (Brasil, 2014). O instrumento que calibra o feixe de radiação dos equipamentos de teleterapia e braquiterapia é o dosímetro clínico, que pode ser considerado como um dos equipamentos mais importantes de um serviço de radioterapia, uma vez que é ele que assegura que a dose seja entregue com um determinado nível de exatidão.

O dosímetro clínico, também chamado conjunto dosimétrico, é composto por um eletrômetro e uma câmara de ionização, como mostra a Figura 1.

Fig. 1 - Dosímetro clínico fabricado pela PTW, modelo UNIDOS E, acoplado a uma câmara de ionização cilíndrica fabricada também pela PTW modelo TN 30013 (Fonte: Arquivo fotográfico do Hospital Luxemburgo)

Fig. 1 - Dosímetro clínico fabricado pela PTW, modelo UNIDOS E, acoplado a uma câmara de ionização cilíndrica fabricada também pela PTW modelo TN 30013 (Fonte: Arquivo fotográfico do Hospital Luxemburgo)

 Normas específicas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) recomendam a calibração bianual do dosímetro clínico em laboratório da rede nacional de metrologia (Brasil, 2014) para fornecer o fator de calibração do conjunto dosimétrico em termos de dose absorvida absoluta na água (fator de calibração medido em Gray por unidade de escala ou Gray por nanoCoulomb)  (IAEA, 2000). O fator de calibração é válido apenas para um único par composto por câmara de ionização e eletrômetro bem definidos. O certificado emitido pelo laboratório cita de forma clara o fabricante, o modelo e o número de série de cada um dos componentes do conjunto dosimétrico. Se houver troca da câmara ou do eletrômetro, mesmo que seja por outros instrumentos do mesmo fabricante e modelo, o conjunto dosimétrico deve ser calibrado novamente.

A câmara de ionização é um instrumento de detecção da radiação que se enquadra na classificação dos “detectores cheios de gás”. Prática e frágil, é o detector mais empregado em radioterapia nas medidas absolutas de exposição e dose absorvida, e apresenta boa sensibilidade, estabilidade e reprodutibilidade. Para feixes de teleterapia, a câmara de ionização mais utilizada é a câmara cilíndrica, também conhecida por câmara dedal. O princípio de funcionamento do dosímetro clínico está baseado na coleção das cargas criadas pela ionização do gás dentro da câmara, após a exposição desta ao feixe de radiação. A coleção das cargas é feita por meio da aplicação de um campo elétrico entre o eletrodo coletor e as paredes do detector que contêm o gás e que delimitam a cavidade (KHAN, 2010). A função do eletrômetro é amplificar, através de um conversor analógico/digital, o sinal coletado e possibilitar a leitura da carga ou corrente elétrica gerada (carga por tempo), quando a radiação passa pela câmara de ionização. (KNOLL, 2010)

Dada a sua importância, os dosímetros clínicos devam passar por outros testes. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em seu documento TEC DOC 1151 (BRASIL, 2000), recomenda que os serviços de radioterapia elaborem um programa de controle de qualidade que contemple os dosímetros clínicos e sugere testes, tolerâncias e as frequências com que eles devem ser executados. Também a norma CNEN NN 6.10, em seu artigo 49, parágrafo único, incisos III e IV (BRASIL, 2014), estabelece que:  

cada sistema de medição de referência deve:

III – ser aferido no mínimo trimestralmente com uma fonte-teste de propriedade do Serviço de Radioterapia com resposta variando no máximo entre +/- 1%

IV – ser aferido com uma fonte-teste imediatamente antes e após a realização de transporte para fora do serviço.  

Os testes periódicos do dosímetro clínico estabelecidos na literatura internacional objetivam avaliar a reprodutibilidade e repetibilidade das leituras do dosímetro clínico, utilizando uma fonte-padrão de referência (BRASIL, 2000). Geralmente são utilizadas fontes emissoras de radiação beta, tais como as fontes de 90Sr (estrôncio 90), que são encontradas comercialmente em blindagens adequadas para o trabalho de bancada. As fontes de 90Sr apresentam duas vantagens: baixa energia de emissão (o que requer menor espessura da blindagem) e meia vida longa de 28,5 anos (a compra de uma única fonte de 90Sr será suficiente para toda a vida de um serviço de radioterapia). Os testes de controle de qualidade realizados nos dosímetros clínicos consistem em obter leituras de carga elétrica expondo a câmara de ionização na fonte de referência de 90Sr de forma sistemática e planejada. (Almeida,2019)

Os testes de controle de qualidade de dosímetros clínicos avaliam sua repetibilidade (que está associada à sua capacidade de repetir a mesma resposta, seja ela certa ou errada), sua reprodutibilidade (que está associada à sua exatidão ao longo dos anos) e sua estabilidade (que está associada à manutenção ou não de  uma carga elétrica na câmara de ionização cessado o processo de irradiação). O dosímetro clínico deve, então, ser preciso, exato e estável.

A estabilidade é avaliada por meio da medida da corrente de fuga. A precisão e a exatidão são avaliadas mediante a determinação de um fator de calibração-padrão, expondo-se o dosímetro clínico à fonte de referência. O fator de calibração-padrão é determinado nos primeiros testes, logo após a aquisição do conjunto dosimétrico e a fonte de referência. O controle de qualidade, enfim, avalia se o fator padrão de calibração está se repetindo e se reproduzindo ao longo do uso do dosímetro clínico.

É importante, neste passo da exposição, distinguir fator de calibração-padrão de fator de calibração da dose absorvida na água. Enquanto o fator de calibração-padrão é determinado pelo setor de Física Médica, expondo-se o dosímetro clínico à fonte de referência, o fator de calibração da dose absorvida na água é obtido em laboratório de calibração, submetendo-se o dosímetro clínico a um feixe clínico de referência (geralmente fótons do cobalto 60).

Quanto à frequência com que se deve realizar a calibração, será observada uma frequência máxima de dois anos para a calibração da dose absorvida na água, ao passo que terá frequência mínima trimestral a calibração na fonte de referência. Por outro lado, quanto à importância da calibração, no primeiro caso, ela é necessária para que o dosímetro clínico possa ser utilizado para calibrar os feixes de teleterapia e braquiterapia, e, no caso da calibração-padrão na fonte de referência, é útil para verificar o correto funcionamento do dosímetro clínico, estabelecendo-se um histórico do seu funcionamento.

A principal vantagem do teste na fonte de referência para o dosímetro clínico é avaliar a resposta do conjunto dosimétrico, quando exposto a uma fonte de radiação conhecida, pois avaliar a reprodutibilidade e repetibilidade do conjunto dosimétrico é avaliar se o fator de calibração-padrão está se repetindo ao longo dos anos.

Neste trabalho, designa-se como fator de calibração-padrão o primeiro fator obtido logo após a aquisição do dosímetro clínico. Os demais fatores de calibração obtidos ao longo dos anos são chamados de fatores de calibrações atuais e são referenciados à data em que foram executados. Se algo errado acontece com o dosímetro clínico nos testes de reprodutibilidade e repetibilidade, certamente algo de errado acontecerá no fator de calibração da dose absorvida na água.

Materiais e Metodos


O trabalho foi desenvolvido no Serviço de Radioterapia do Hospital Luxemburgo que dispõe de dez câmaras de ionização e três eletrômetros. Para compor a base de dados necessária para o estudo, inicialmente foi feito um levantamento de todos os controles de qualidade de dosímetros realizados entre os anos de 2006 e 2019. Os dados obtidos foram lançados em uma planilha do Excel visando à agilidade nos processos de análise, nos cálculos e na forma de registrar os resultados. Os procedimentos dos testes de controle de qualidade seguiram as recomendações do TEC DOC 1151 (Brasil, 2000) e na análise estatística foi utilizado o teste t Student (Soares, 2008). Os eletrômetros, câmaras de ionização e a fonte de referência são mostrados no Quadro 1. Durante as medidas, foram monitoradas a temperatura, a pressão e a umidade relativa do ar, utilizando-se um termobarômetro fabricado pela Lufft, modelo OPUS 10. Todas as leituras do eletrômetro foram corrigidas pelo fator de correção da temperatura e pressão. (Khan, 2010)

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Para avaliar a repetibilidade e a reprodutibilidade, determinou-se o fator de calibração atual do conjunto dosimétrico e este foi comparado com o fator de calibração-padrão. Por sua vez, para determinar o fator de calibração atual, o conjunto dosimétrico foi inserido na fonte de referência e feitas cinco leituras de carga Li para os tempos ti de 60, 120, 180, 240 e 300 segundos. A média das cinco razões entre carga e intervalo de tempo corrigida pela corrente de fuga (Ii) do dosímetro clínico e pelo decaimento da fonte entre a data da calibração-padrão e a data da medida atual, fornecem o fator de calibração atual. O desvio padrão desta média avalia a repetibilidade do conjunto dosimétrico e a diferença percentual entre o fator de calibração atual (fA) e o fator calibração-padrão (fp) avalia a reprodutibilidade.

O fator de calibração atual (fA) é obtido fazendo:

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onde n é o número de leituras (neste trabalho fixamos n=5), Li é a leitura no tempo ti, kPT é o fator de correção de temperatura e pressão, fD é o fator decaimento da fonte avaliado entre a data da medida atual tA e a data da calibração padrão tP, sendo dado por :

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If é a corrente de fuga avaliada em um intervalo de tempo Δt, sendo dada por:

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LF e LI são respectivamente as leituras final e inicial para a medida de corrente de fuga e T1/2 é a meia vida da fonte de 90Sr, considerada aqui como sendo 10.410 dias

Resultados


Devido ao grande volume de cálculos necessários para o desenvolvimento deste estudo, foi necessária a criação de uma planilha em Excel para maior rapidez e registro dos cálculos realizados. Todos os resultados foram lançados nesta planilha, que pode ser vista no Quadro 2. Cópia da planilha será disponibilizada aos interessados, que podem solicitá-la através do e-mail lucassa763@gmail.com. Foram obedecidos todos os procedimentos estabelecidos pelo TEC DOC 1151 (Brasil 2000), que descreve um roteiro padrão para o controle de qualidade adequado do dosímetro clínico. Paralelamente a estas verificações foi desenvolvido o arcabouço experimental para responder as três questões dos objetivos específicos.

A planilha foi idealizada contendo fórmulas e cálculos necessários para obtenção do fator de calibração como apresentado em Materiais e Métodos. O resultado final obtido não pode sofrer uma variação maior que ± 1%, que é o valor de tolerância para a variação no fator de calibração. Se esta variação for superior a 1%, o fator calibração não estará adequado e pode ser indício de problemas eletrônicos na câmara ou eletrômetro.

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Discussão

Comportamento do conjunto dosimétrico ligado na rede elétrica ou na bateria interna


O mesmo dosímetro clínico foi iniciado para condições de aferições de duas formas distintas: uma com ele ligado somente na bateria interna e outra com ele conectado na rede elétrica. O objetivo é ter uma noção da variabilidade dos resultados encontrados e se esse princípio exerce influência no fator de calibração. Sempre foi uma questão levantada pelos físicos em dosimetria das radiações que o dosímetro clínico deveria ser operado com a bateria interna e não ligada à rede elétrica, pois esta pode introduzir transientes nos valores medidos das pequenas cargas elétricas acumuladas (da ordem de alguns nanocoulombs) na câmara de ionização, modificando de alguma forma o seu valor.

Foram realizados doze (12) medidas do fator de calibração atual do conjunto dosimétrico composto pelo eletrômetro MAX 4000 e câmara de ionização CC13, sendo seis (6) delas com o eletrômetro ligado diretamente na rede elétrica (sem uso da bateria interna) e seis (6) com o eletrômetro operando às custas da sua bateria interna. Em cada uma das medidas do fator de calibração atual são realizadas cinco leituras no eletrômetro conforme estabelecido na planilha. Portanto, para cada um dos modos de operação (com energia elétrica e com a bateria interna) foram realizadas trinta (30) leituras no eletrômetro (6 x 5). Os resultados são mostrados na Tabela 1.

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Como pode ser visto na Tabela 1, o fator calibração para uso do dosímetro clínico com e sem a bateria interna diferem entre si por 0,03%. Os resultados são idênticos com significância estatística (p<0,002). Com isso, podemos concluir que as medidas podem ser feitas de ambas as formas, sendo de preferência do usuário escolher a forma que mais lhe convém. Sendo assim, ao medir o feixe de radiação do acelerador linear, com o eletrômetro ligado ou não na energia elétrica, os resultados obtidos serão os mesmos. Isto se deve possivelmente ao fato de que a eletrônica da retificação de sinal dos eletrômetros, bem como o isolamento de pequenas cargas no desenho das atuais câmaras de ionização, torna o conjunto dosimétrico praticamente imune às possíveis oscilações de tensão da rede elétrica local.


Cruzamento de câmaras e eletrômetros


As medidas de CQ realizadas tiveram o objetivo de cruzar câmaras e eletrômetros a fim de verificar o que acontece com o fator calibração padrão do conjunto. Os conjuntos dosimétricos tiveram seus fatores calibração determinados, e, em seguida, foi trocada a câmara de ionização ou o eletrômetro. Em cada determinação do fator calibração padrão foram seguidos os mesmos procedimentos estabelecidos pelo TEC DOC 1151. Os resultados obtidos são mostrados no Quadro 2. Os conjuntos dosimétricos números 2 e 3, 4 e 5, apresentam a mesma câmara de ionização ligada em eletrômetros diferentes. Os conjuntos dosimétricos números 1, 2 e 4 apresentam o mesmo eletrômetro ligado a câmaras de ionização diferentes.

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As câmaras de ionização PTW CC01, PTW CC13 e PTW TN30013 têm volumes muito diferentes, com valores respectivamente de 0,01cm3, 0,13cm3 e 0,6cm3. Verifica-se que o fator de calibração para um dado conjunto dosimétrico é muito dependente do volume da câmara de ionização, variando aproximadamente quatro ordens de grandeza (21,93 / 0,0025 = 8,8 x 103 ~ 1 x 104) nesta faixa de volume. Verifica-se que câmaras de ionização de mesmo volume têm fatores calibração muito próximos. Mantendo-se a mesma câmara e trocando-se o eletrômetro obtém-se diferenças de 3% no fator de calibração (caso dos conjuntos de número 2 e 3; 4 e 5 do Quadro 2). Entretanto, acoplando câmaras de ionização com volumes diferentes no mesmo eletrômetro, as diferenças no fator de calibração apresentaram variações da ordem de 10.000 (dez mil) vezes. As características da câmara de ionização são predominantes na determinação do fator de calibração. Importante salientar que as medidas propostas nesta seção do estudo têm um caráter apenas educativo. Todo o conjunto dosimétrico, antes de ser utilizado, deve ser calibrado por laboratório credenciado junto à rede brasileira de metrologia.


Intervalo de tempo para o teste de corrente de fuga


O teste de corrente de fuga foi realizado com diferentes intervalos de tempo para dois conjuntos dosimétricos diferentes como mostra a Tabela 2. Verifica-se uma forte dependência da corrente de fuga com o intervalo de tempo da medida.  Uma observação interessante é que, enquanto para o conjunto 1 a leitura final está crescendo, para o conjunto 2 ela está diminuindo. Segundo Damatto et al (2008), este comportamento aliado a medidas de corrente de fuga antes e após o controle de qualidade do dosímetro clínico podem determinar se a fuga é no eletrômetro ou na câmara de ionização.

A última coluna da Tabela 2 mostra a diferença percentual entre o valor medido para a corrente de fuga e um valor de corrente de fuga escolhido arbitrariamente como referência para comparação (Ref.). Para ambos os conjuntos dosimétricos o valor de referência adotado para comparação foi aquele para o intervalo de tempo de 3600s (1hora). Os intervalos de tempo nos quais a variação percentual é pequena são os recomendados par determinação da corrente de fuga, pois, nestes intervalos de tempo a corrente de fuga não está variando, permanecendo praticamente constante.

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Observando a Tabela 2, verifica-se que a variação percentual na corrente de fuga se mantém praticamente inalterada para tempos de medidas entre 3000 seg (50 minutos) e 4200 seg (70minutos) para o conjunto 1 e entre 1800 seg (meia hora) e 6600 segundos (1 hora e 40minutos) para o conjunto 2. Portanto, o tempo de medida de corrente de fuga deve ser no mínimo 50 minutos para o conjunto 1 e 30 minutos para o conjunto 2. Estes resultados mostram que é importante o usuário determinar este tempo para o seu conjunto dosimétrico.


Conclusão

Com a exigência de normas específicas por uma maior frequência dos testes de controle de qualidade dos dosímetros clínicos, o desenvolvimento de uma planilha é um passo importante para se obter uma ferramenta poderosa que realizará os vários cálculos necessários aos testes preconizados. A planilha não somente agiliza os cálculos como também aumenta a confiabilidade nos resultados, reduzindo erros de um cálculo manual, servindo ainda como mecanismo de registro dos vários testes que são realizados ao longo de um ano.

Verificou-se neste trabalho que as leituras do eletrômetro são indiferentes para o uso ou não da sua bateria interna. As medidas com e sem o uso da bateria interna diferem entre si por apenas 0,03% com elevada significância estatística. Portanto, dosimetrias do feixe de teleterapia com o dosímetro clínico ligado ou não na rede elétrica tornam-se aproximadamente idênticas.

Cruzando câmaras e eletrômetros para se avaliar o impacto que isto traz no fator de calibração do conjunto, observou-se que a câmara de ionização é predominante na determinação do fator de calibração. Obviamente, como as câmaras de ionização têm volume e características elétricas próprias, mantendo-se o mesmo eletrômetro e trocando as câmaras de ionização, pode-se obter variações da ordem de 104 no valor do fator calibração. Por outro lado, conjuntos dosimétricos com câmaras de ionização com praticamente o mesmo volume, apresentam pequenas diferenças no fator de calibração do conjunto. É possível, mas não recomendável, o uso do mesmo fator de calibração para uma dada câmara de ionização ligada a eletrômetros diferentes. Neste caso, o erro das medidas é da ordem de 3%. As medidas propostas nesta seção do estudo têm um caráter apenas educativo e mostram o óbvio: todo o conjunto dosimétrico, antes de ser utilizado, deve ser calibrado por laboratório credenciado junto à rede brasileira de metrologia.

A avaliação se há um tempo ideal para a medida da corrente de fuga mostra que os valores obtidos dependem fortemente da estabilidade do sistema de medidas. Nos conjuntos dosimétricos analisados, verifica-se que 60 minutos é o tempo ideal para a medida da corrente de fuga e que este tempo não pode ser inferior a 30 minutos. É recomendável que se deva utilizar o maior tempo possível para medida da corrente de fuga, desde que esta não seja inferior à duração das medidas da dosimetria clínica ou dos testes de controle de qualidade.


Bibliografia

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