PROPOSTA DE CONTROLE LOGÍSTICO NA IMPORTAÇÃO DE FONTES DE Iridio-192 PARA BRAQUITERAPIA DE ALTA TAXA DE DOSE

Lucas Albergaria(1,2), Jony Marques Geraldo(1,2,3), Clara Bicalho Nascimento(2)

1 - Departamento de Anatomia e Imagem/Faculdade de Medicina/UFMG

2 - Hospital Luxemburgo/Instituto Mario Penna

3 - Hospital Alberto Cavalcanti/FHEMIG

Fevereiro de 2023

Resumo

O presente trabalho propõe uma metodologia de controle logístico da importação de fontes de Ir-192 para uso em braquiterapia de alta taxa de dose (HDR), levando em consideração as dificuldades vinculadas à atividade da fonte, meia-vida do radioisótopo, tempo envolvido em todas as etapas de importação de materiais radioativos no país. Para tanto, foi realizado um levantamento de dados referentes ao tempo necessário a cada etapa crítica da importação e, criada uma planilha eletrônica de gestão de prazos, considerando seu uso no Instituto Mário Penna, Belo Horizonte, Minas Gerais. A planilha elaborada em Excel foi testada quanto à assertividade em prever o tempo correto para solicitação e entrega de uma nova fonte, considerando a atividade radioativa inicial e o tempo de decaimento da fonte em uso. O resultado referente à data de troca da fonte obtido na planilha comparado com o gerado pelo software de planejamento ONCENTRA diferem 0,5 % entre si, demonstrando boa concordância entre estas datas. A planilha elaborada pode ser utilizada para estabelecer datas controles para todas as etapas do processo de importação.

Palavra-chave: Câncer. Braquiterapia por HDR. Fontes de Irídio. Decaimento Radioativo. Importação de Fontes de Radiação.

Introdução

O irídio é um elemento químico que se apresenta na natureza como um metal em combinação com platina, ósmio, ouro e minério de ferro (SILVA, 2003). De acordo com Rostelato (1997) as fontes de Ir-192 para braquiterapia se apresentam na forma de fios flexíveis de 0,3 a 0,5mm de diâmetro de um núcleo de irídio-platina encapsulado com platina ou aço inox com a finalidade de barrar a radiação β- emitida no decaimento. Silva (2003) ressalta que as fontes de irídio possuem variações de acordo com o país utilizado, sendo mais comum na forma de sementes nos Estados Unidos e em forma de fio de irídio na Europa e no Brasil.

Apesar do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) dominar a técnica de fabricação de fontes de irídio, sua produção não é realizada no Brasil. Isso se deve a uma baixa demanda por fontes de irídio, não justificando os custos para fabricação. A baixa produção nacional tem como objetivo promover o controle de preços internacionais das fontes para clínicas e hospitais brasileiros (SILVA, 2003). Desse modo, a importação da fonte de Ir-192 é a única forma para sua obtenção.

De acordo com Oliveira et al., (1998) a Coordenação Geral de Instalações Radioativas é o setor da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), responsável pela emissão de licenças e autorizações relativas à importação e a transferência de fontes radioativas. Após o ano de 1996, com a implementação do sistema SISCOMEX (Sistema Integrado de Comércio Exterior) pela Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), a CNEN estabeleceu um sistema eletrônico em que o material radioativo é imediatamente contabilizado no ato de solicitação da compra. Faz-se necessária atualização posterior, por parte do usuário dos dados, de identificação da fonte e finalidade de uso (OLIVEIRA, et al., 1998).

Os serviços de braquiterapia por HDR percebem a necessidade de um controle rígido de todo o processo de importação devido às várias anuências necessárias de órgãos reguladores, às várias etapas do processo de importação e principalmente a parâmetros físicos importantes das fontes, tais como, a atividade radioativa inicial da fonte, meia vida e atividade final.

Para reduzir custos e desperdícios, os serviços de radioterapia devem montar um rigoroso esquema estratégico para adquirir fontes radioativas. Com este objetivo, foi elaborada uma planilha eletrônica para gestão de todos os prazos para importação de fontes de Ir-192. Os fornecedores querem vender quatro fontes por ano para evitar o fechamento da agenda de tratamentos. Entretanto, com um controle rigoroso de todo o processo, é possível importar entre 3 e 2,5 fontes por ano.

À medida que a fonte radioativa vai decaindo, se atinge um determinado valor de atividade em que o próprio equipamento de braquiterapia por HDR interrompe o tratamento por considerar a taxa de dose abaixo da faixa característica do HDR. Este trabalho tem como objetivo mostrar as etapas críticas na importação de fontes de Ir-192, o tempo necessário em cada etapa e os gatilhos a serem implantados no serviço de radioterapia, a fim de evitar: jogar fora uma fonte ainda útil clinicamente ou fechar a agenda por falta de uma fonte nova.

Metodologia

Na elaboração das planilhas eletrônicas para o presente trabalho foram necessárias consultas aos registros da Física Médica do Serviço de Radioterapia, relativos às etapas da importação da fonte de Ir-192, pesquisas bibliográficas de artigos e livros referentes a fonte de irídio para braquiterapia por HDR, importação, exportação e decaimento de fontes. Em nenhum momento houve consulta aos dados de tratamento ou a informações de pacientes em tratamento de braquiterapia.

Os cálculos dos prazos foram realizados de acordo com as informações adquiridas nos documentos disponibilizados e troca de e-mails com os fornecedores. Além disso, foi considerada também, para os cálculos das planilhas, uma margem de segurança no tempo de recebimento da fonte, para que esta não chegue ao limite inferior de sua atividade e, assim, evite o bloqueio da agenda de tratamento das pacientes.

Revisão da literatura

Câncer é o nome dado a um conjunto de doenças caracterizadas pelo crescimento celular desordenado e invasivo em qualquer região do organismo (MATTOS, 2013). Observa-se que os tipos de câncer com maior mortalidade foram os de: pulmão, estômago, fígado, cólon, mama e próstata. No Brasil, esta enfermidade foi responsável pela morte de aproximadamente 310 mil homens e 316 mil mulheres no ano de 2020 (INCA, 2021).

Como mencionado por Batista, Mattos e Silva (2015), o câncer e o seu tratamento ocasionam graves mudanças na vida de uma pessoa, podendo estas serem psíquicas, financeiras e sociais. Ocorre assim, um estigma da doença que, juntamente com os efeitos colaterais intensos, acaba dificultando adesão de alguns pacientes ao tratamento que pode ser por cirurgia, radioterapia e quimioterapia, isoladamente ou concomitantemente (MATTOS, 2013).

A radioterapia é uma modalidade terapêutica na qual o agente terapêutico é a radiação ionizante, que promove a morte das células de um tumor (JHAM e FREIRE, 2006). Pode-se subdividir a radioterapia em duas modalidades: a teleterapia e a braquiterapia (CHERRY e DUXBURY, 2009).

A teleterapia consiste na exposição do paciente a um feixe de radiação de alta energia, gerado externamente e distante do paciente. A braquiterapia é um método terapêutico na qual, fontes radioativas seladas são introduzidas no paciente por aplicação intersticial, intracavitária ou superficial, com o intuito de se entregar a radiação diretamente na lesão (CHERRY e DUXBURY, 2009). Desta maneira se consegue aplicar altas doses de radiação sem grandes danos aos tecidos sadios. Pode ser aplicada em qualquer neoplasia acessível a uma fonte de radiação, sendo assim, mais utilizada em neoplasias do colo e do corpo uterino, da cabeça e pescoço, da região perineal e dos tecidos moles.

A braquiterapia por HDR (do inglês, High Dose Rate) consiste de um sistema de entrega de doses a uma taxa superior a 12 Gy/h (CALCINA, ALMEIDA e ROCHA, 2001). Devido à alta taxa de dose, essa modalidade da braquiterapia requer um sistema de pós-carregamento automático, com a finalidade de preservar a saúde dos profissionais do setor (MATTOS, 2013).

A principal fonte utilizada neste procedimento é o radioisótopo Irídio-192, que possui grande taxa de decaimento radioativo e um tamanho relativamente pequeno (MATTOS, 2013). O aparelho de HDR é um sistema eletromecânico automatizado, controlado por computador, para inserção remota da fonte de braquiterapia no paciente. Ele é composto por uma unidade robótica que possui um cofre blindado para guarda segura da fonte e um comando digital como mostrado na figura 1.

Figura 1- (A) Unidade de tratamento de braquiterapia por alta taxa de dose e (B) sua unidade de controle.

A fonte se liga ao equipamento de controle através de um cabo de aço como mostrado na figura 2, preso a um motor de passo que guia a fonte pra os aplicadores inseridos no paciente. A fonte pode ser precisamente posicionada em qualquer ponto do aplicador e permanecer pelo tempo pré-determinado, permitindo assim sua manipulação para obtenção de curvas de isodose adequadas para o tratamento.

Figura 2- Fonte de Irídio-192 empregada na unidade de braquiterapia por HDR.

O Ir-192 tem meia-vida de 73,83 dias e é produzido ao se bombardear o irídio-191 com nêutrons em um reator nuclear, decaindo por emissão beta para um isótopo estável a Pt-192. O espectro de emissão é complexo, com as partículas beta possuindo energias de 530 KeV a 670 KeV e as emissões gama com energia média de 380 KeV.

A atividade radioativa A(t) de uma fonte de radiação é numericamente igual ao número de átomos que decaem ou se desintegram por unidade de tempo (SCAFF, 1997). Como o número de átomos radioativos na fonte de radiação diminui com o tempo, a atividade radioativa também diminui com o tempo até que, para um tempo muito longo (próximo a infinito), a atividade radioativa tende a um valor nulo. Caracteriza-se este decaimento radioativo pela meia vida física (Ƭ) do radioisótopo como sendo o tempo necessário para que a sua atividade radioativa seja reduzida à metade do valor inicial Ao. Estas grandezas estão relacionadas através da seguinte equação que governa o valor da atividade A(t) em função do tempo t:

A unidade convencional de atividade é o Becquerel (Bq), que equivale a uma desintegração por segundo. A antiga unidade Curie (Ci) é ainda muito utilizada para se medir a atividade, sendo,

Como dito por Oliveira (2011), a baixa oferta de fontes radioativas nacionais acaba por gerar uma necessidade de se importar fontes para o uso em hospitais nacionais. Até o ano de 1996 a importação era autorizada através de formulários individuais, porém com a implantação do SISCOMEX, através da Secretaria de Comércio Exterior, ocorreu uma automatização e desburocratização do processo passando a ser através de meio eletrônico.

O SISCOMEX é um sistema de tecnologia informatizado que permite o controle governamental do comércio exterior. Além de agilizar o processo, concentra toda a documentação em um único sistema de informação (VIEIRA, 2019). A CNEN passou a atuar como anuente do sistema, e contabiliza o material radioativo importado, requerendo que o utilizador forneça os dados de identificação e uso da fonte.

A importação se inicia com a solicitação da proforma INVOICE que é um documento que dá início a negociação de importação, sendo emitido pelo exportador para que o importador providencie a documentação necessária (LOMBARDI e MELO, 2020). Pode ser considerada uma formalização da transação, devendo ser emitido no idioma do importador ou em inglês.

Em seguida faz-se a Solicitação da Licença de Importação (SLI) à CNEN, que solicita um prazo médio de 10 dias úteis para então deferir a Licença de Importação (LI). De acordo com Führ (2012), a Solicitação de Licenciamento de Importação (SLI) deve ser preenchida e assinada por um supervisor de proteção radiológica e encaminhada para a CNEN. Após aprovação, a CNEN emitirá uma Licença de Importação (LI) autorizando o envio da fonte pelo fornecedor. Somente após a emissão da LI o fornecedor poderá emitir o Comercial Invoice (documento expedido pelo exportador que é o equivalente a nota fiscal brasileira).

Após o pagamento da fonte através do sistema SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) o fornecedor colocará o pedido de fabricação da fonte junto à fábrica. O SWIFT é um código de 8 a 11 dígitos trocado entre instituições de diferentes nacionalidades e utilizado para reconhecer que o pagamento foi concretizado (CARVALHO, 2018). Os fornecedores só iniciam a fabricação da fonte após a confirmação da LI e do pagamento utilizando o sistema SWIFT. O fabricante solicita um prazo médio de 45 dias para realizar o embarque da fonte, sendo necessário um acréscimo de 5 dias referente aos trâmites de embarque.

Após chegada da fonte no aeroporto de destino faz-se o desembaraço aduaneiro que é uma liberação realizada pela alfândega quanto à entrada ou saída de mercadorias do país (CARVALHO, 2018). Neste processo se registra a chegada da fonte no sistema SISCOMEX informando o número da LI. Fica a cargo da Receita Federal realizar uma vistoria na documentação e na mercadoria para sua liberação. O desembaraço aduaneiro costuma ser realizado em um prazo de 7 a 10 dias após a chegada da fonte no Brasil.

O equipamento de braquiterapia por HDR bloqueia automaticamente o seu uso caso a fonte possua uma atividade inferior a 2 Ci, a fim de respeitar os protocolos de tratamento. Desta maneira, a troca da fonte deverá ser realizada idealmente quando a fonte se encontrar com atividades entre 2,2 e 2,6Ci, representando uma janela de tempo de 18 dias, obtida a partir da equação 1. Como dito anteriormente, caso ocorram atrasos na importação da fonte, estes ocasionarão interrupção do serviço. Porém, também não é vantajoso adiantar a chegada de uma nova fonte, pois significaria o descarte de uma fonte ainda útil (INSTITUTO MÁRIO PENNA, 2022).

Devido ao decaimento radioativo, torna-se impossível estocar e guardar uma fonte para posterior uso. Quando uma nova fonte chega ao serviço é necessária a realização da troca e o descarte da fonte anterior. Isso porque, com uma fonte de maior atividade, necessita-se de menos tempo para se tratar um paciente. Após a troca da fonte deve-se atualizar o software de cálculo da distribuição de dose com a atividade inicial da fonte e a data da medida desta atividade, ambas expressas no certificado de calibração da fonte. O software do aparelho gera uma tabela de decaimento radioativo e determina a data limite de funcionamento para esta fonte.

Resultado e discussão

O tempo total para chegada da fonte é dado pelo somatório dos prazos necessários às várias etapas que compõe o processo de importação. As etapas mais críticas são mostradas no Quadro 1. Foram desprezadas aqui as etapas internas que toda instituição necessita para aprovação da importação e pagamento da fonte (SWIFT) considerando-as como de cumprimento imediato. Dessa forma, obtém-se um resultado de 65 dias para todo o processo de importação e, levando em consideração a margem de segurança, o tempo total pode chegar a 85 dias.

Quadro 1- Prazos mínimos solicitados pelos fornecedores e margem de segurança de chegada da fonte de 192Ir.

Foram construídas planilhas eletrônicas no programa Excel com vários objetivos. A primeira, mostrada na tabela 1, apresenta o decaimento radioativo da fonte ao longo do tempo entre a data de calibração (28/09/2022) com atividade inicial A0 de 12,335Ci. A meia-vida considerada para a fonte de irídio foi 73,83 dias como aponta o certificado da fonte. Para elaboração do Quadro 1 foi tomado como referência a primeira fonte importada pelo Instituto Mario Penna no ano de 2022.

Para verificação do cálculo realizado na planilha, esta foi comparada com uma tabela de decaimento gerada pelo software de planejamento Oncentra. O Oncentra determinou que a atividade da fonte chegará em 2,0 Ci na data de 11/04/2023, enquanto pelos cálculos da planilha implementada esta atividade será atingida na data de 10/04/2023, o que se traduz em uma diferença percentual aproximada de 0,5% (1/194).

De posse dos dados da tabela 1 foi construído o gráfico da figura 3 em que o tempo inicial (t = 0) representa a data de calibração da fonte apontada no certificado de calibração. O decaimento radioativo da fonte deve ser correlacionado com a data da chegada da fonte e com os prazos e datas necessárias à importação de uma nova fonte.

Para evitar o fechamento da agenda de tratamento dos pacientes, este trabalho recomenda a data de chegada de uma nova fonte como sendo aquela na qual a atividade da fonte em uso atinge o valor de 2,5Ci. A tabela 1 mostra que esta data ocorre em 18/03/2023 e o serviço tem ainda uma margem de segurança de 23 dias que é o prazo para se chegar a 2,0Ci na data de 10/04/2023.

A data de chegada da fonte e os prazos apontados no quadro 1 servem de base para o cálculo dos gatilhos que devem ser cumpridos em determinadas datas com a margem de segurança para execução da ação. De posse destas informações foram gerados os gatilhos apresentados no Quadro 2.

Conslusão

Este trabalho permite um melhor entendimento dos processos de importação de fontes para tratamento em braquiterapia por HDR bem como o funcionamento e os impactos que os prazos utilizados terão no tempo de entrega da fonte na instituição solicitante. A não chegada da fonte na data pretendida gera prejuízos financeiros e assistenciais, pois provoca a parada do equipamento e fechamento da agenda de tratamento dos pacientes.

Os gatilhos aqui apontados se apresentam relacionados com datas em que estas ações devem ser tomadas. Esta planilha deve ser alimentada em toda troca de fonte e as novas datas apresentadas devem ser obedecidas a fim de se evitar atrasos e prejuízos. Comparando os resultados da planilha proposta com os resultados de decaimento gerados pelo software Oncentra, a diferença percentual é inferior a 0,5% e esta diferença se deve possivelmente a ajustes do horário na admissão da atividade inicial da fonte. Como a meia vida da fonte de irídio é relativamente curta, um erro de 12 horas no tempo de decaimento introduz um erro próximo a 0,5% na atividade da fonte.

A autorização de operação do estabelecimento perante a CNEN, além de toda a documentação, tais como, alvará sanitário e certidões negativas devem estar devidamente atualizadas, caso contrário, a solicitação de documentos no meio do processo de importação acarretará em prazos maiores e atraso na chegada da fonte. Devido ao prazo relativamente curto de 85 dias para que todo o processo de importação ocorra, deve-se ressaltar a importância de um bom planejamento e controle de todo o processo de importação.

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